Gisiela Klein
O mar me ensinou sobre circularidade

Foi durante a pandemia que eu e meu marido decidimos viver no mar, no Brasil. Reunimos nossas economias e compramos um antigo veleiro. O Pandorga era um veleiro de 1982, com 34 pés, bem cuidado e muito forte. Eram 10,36 metros de comprimento, um painel solar de 550W e tanques com capacidade para armazenar 250 litros de água doce. Não tínhamos dinheiro para manter uma casa e um barco. Então, o barco teria de ser nossa casa. Assim começaram as aulas de circularidade e sustentabilidade.
A primeira grande lição: água potável é um recurso finito. Todos sabemos disso, mas viver isso foi diferente. Contabilizar cada litro de água doce foi uma das maiores lições de vida. Aprendi a aproveitar a água da chuva para tomar banho, lavar roupas, limpar o barco. Aprendi a economizar cada gota. Hoje, vivo em um apartamento em Figueira da Foz e cada vez que ligo a torneira e sai um jato de água fico apavorada pensando em quantos litros são usados para uma simples escovação dos dentes. Um sistema muito simples que havia no barco poderia ser replicado nas residências em terra: o pedal para bombear água para as torneiras. Isso garantiria a economia de alguns litros.
A segunda lição: energia elétrica é difícil de ser gerada e mais difícil ainda de ser armazenada. São muitas horas de sol no litoral brasileiro, mas as placas solares têm capacidade para receber e transformar a energia. As baterias para armazenar essa energia são caras e há um grande desperdício em todo o processo. O resultado: calculávamos a necessidade de energia para cada atividade – trabalho remoto, televisão, refrigerador e luz. O trabalho era a prioridade. Consequentemente, a alimentação foi adaptada para ingredientes que não precisam de forte refrigeração e as séries de televisão passaram a ser programação esporádica. Não havia secador de cabelos, mas após alguns meses adquiri um liquidificador usado apenas em dias ensolarados.
A terceira lição: espaço e prioridades. O Pandorga não tinha roupeiros. O espaço era pequeno. Então, tínhamos o essencial em roupas, acessórios e utensílios domésticos. Passei mais de 40 anos em terra achando que uma pessoa precisa de várias calças, camisas, sapatos... Não precisamos. E quando temos pouco espaço e pouca água, coisas desnecessárias são um problema. Aprendi que é possível viver (feliz) com banhos rápidos, poucas peças de roupa, dois pratos e duas panelas.

A quarta lição: destinação do lixo. Todo lixo produzido no barco precisa ser armazenado para ser tratado em terra. Como disse, não há muito espaço no barco. O resultado foi reduzir a produção do lixo. É assustador como produzimos lixo. Quando temos que carregar esse lixo em um bote ou uma prancha de stand-up rapidamente aprendemos a reduzir nosso lixo.
A quinta lição: nossos oceanos gritam por socorro. A quantidade de lixo que vi no mar é algo indescritível. Não tenho dados oficiais sobre o lixo no mar, mas tenho lembranças. Muito plástico boiando, muitas redes de pesca abandonadas, latas, garrafas e até um sofá. Sim, eu vi um sofá sendo levado pelas ondas no litoral sul do Brasil. Vi um capacete de motocicleta passando ao lado do barco e, em águas abrigadas com pouca corrente, vi peixes morrendo. Nesses locais abrigados, o cheiro do lixo também ficou na lembrança.
A vida a bordo me ensinou o que é sustentabilidade e circularidade me impondo uma série de restrições. Entretanto, foram os dias mais felizes da minha vida até agora. O projeto de viver no mar foi suspenso temporariamente pelo período do doutoramento, mas será retomado num futuro breve.
Espero que mais pessoas possam viver experiências semelhantes. Que possam viver a beleza do mar e da terra e ter consciência do nosso papel neste sistema circular. É, sem dúvida, uma forma doce de aprender sobre sustentabilidade.
